quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A POETA MAIOR


AO POETA MAIOR

Voam pássaros dentro de ti
Plumagem leve de poemas.

Em cada um deles, um tu;
Em cada asa, um outro;
Em cada gorjeio, um sonho;
Em cada sonho, a verdade.
E na verdade, os muitos
que a poesia revela.

Esses muitos que és tu,
os vários que são os outros
e todos que são o poeta!

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14/10/2015; 23H08

Arte: Morski, Igor, " Kosmich"

BREVES






BREVES
(do pensar e do sentir)

Às vezes 
gostava de pensar o amor
e sentir a razão.


Talvez assim 
percebesse o coração 
e deixasse de errar.

E, sentindo,
talvez entendesse 
as razões do pensar.

E assim,
talvez pudesse 
amar, pensando,
e pensar, sentindo.

Mas se assim fosse
estaria mentindo.
E seria outro
pensando e sentindo;
não eu!

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14/10/2015; 23H41

Arte: "Olga", 1930, de Francis Picabia



O NOVO MUNDO



O NOVO MUNDO

Sinto vontade de agitar os céus
Carregar as nuvens às costas
E decidir eu das chuvas, do gelo e da neve.
Apetecia-me trepar as estrelas 
Chegar ao Sol e acalmar os ultravioleta; 
Usar os tufões e os tornados
para eclipsar o lixo e a poluição;
Pedir ajuda às baleias para limpar os mares;
Chamar escorpiões e iguanas 
e plantar árvores nos desertos.


Num passe de mágica ressuscitar a primitiva Amazónia,
Erradicar todas as religiões e ideologias politicas 
E instituir uma nova filosofia:
Tudo na sociedade só seria permitido se fosse benéfico ao Homem,
na Natureza se beneficiasse os seres vivos,
E no planeta se servisse à sua preservação.

Tudo segundo as regras do direito natural.
O mesmo que determina o amor a um filho 
e explica a atração macho-fêmea,
sem que seja preciso recorrer à imposição de quaisquer regras.
Num dado momento histórico esta concepção adquiriria um código genético universal
E seria hereditariamente transmissível.
Chamar-se-ia simplesmente " O Novo Mundo"
e nele imperaria a felicidade de todas as formas de existência.

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16/10/2015; 23H55

Arte: Merello, "Mujer azul"

CARTAS DE AMOR


CARTAS DE AMOR

Escrevi-te cartas de amor sem papel, nem pena, nem língua, 
Poemas ocultos nas linhas invisíveis do pensamento.

Escrevia-tos no rasto das estrelas e nos luares nocturnos,
Na maresia que inebriava as tertúlias vespertinas,
e nas carícias do sol na tua pele.

Dediquei-te tratados de amor sem pronunciar uma sílaba que fosse.
Tantos, que poderia compilar os códices de todos os afetos.

Mas nenhuma palavra poderá exprimir o mais intenso e bizarro sentimento:
a saudade de um primeiro encontro que nunca acontece.

Ainda assim, continuo a escrever-te cartas de amor,
Sem pena, papel ou língua,
Usando apenas a semântica do coração.

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17/10/2015; 03H30

Arte: Rob Hefferan, título desconhecido

PERPETUIDADE



PERPETUIDADE

Estremeço dos poemas que quero escrever-te
E das metáforas que te definem.


Poemas intangíveis ao meu verbo
Metáforas desmesuradas para a minha pena.´

Ainda assim, quero escrevê-los e concebê-las;
Não eu, mas as vozes que me falam dos labirintos cardíacos.

Exaltam-se-me os dedos nas madrugadas insones
Mas a solidão grita alto no vazio das paredes 
Amordançando as outras vozes interiores.

Mas quem sabe?
Talvez se perpetuem as palavras que se calam
Nos gritos silenciados que jamais enrouquecerão.

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18/10/2015; 04H40

Arte: “Romeu e Julieta” (1884) de Frank Bernard Dicksee

VIDA MADRASTA

VIDA MADRASTA

Esta sensação de ser pouco
E tudo me saber a pouco.
De poder tudo
E conseguir nada.
De ver mais além
Mas ficar sempre aquém.
Sentir a energia que me percorre
E que depois me falta,
O mundo que me escapa
A vida que me foge.

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18/10/2015; 12H30

Arte: Munch, Edvard, " The day after"

QUANDO A VIDA DÓI



QUANDO A VIDA DÓI

Quando a vida me dói sinto vontade de correr
Perder-me por aí, sem mapas nem destino,
Guiar-me só pelo calendário e relógio do Sol
Ir escolhendo, em cada dia, o meu caminho.

Esquecer tudo, o que antes me fez rir e chorar,
Apagar todos os ressentimentos e desilusões,
E livre do passado, crer que posso recomeçar, 
Que a vida é feita de novos projetos e ilusões.

Mas olhamo-nos e vemos as rugas no rosto,
As marcas do tempo na pele, por todo o corpo,
A tez baça, curvas indefinidas, o brilho deposto.

Súbito, o ânimo que sentíamos queda-se amorfo,
As lágrimas antes suspensas recobram a gravidade
E enfrentar tudo parece a única genuína liberdade...

ASC © - reservados todos os direitos
18/10/2015; 01H50

INSÔNIA



INSÓNIA

Há ponteiros envenenados no relógio da vida
Suspensos no presente
Sangrentos do passado
Desencorajados do medo de tudo se repetir.
Se ao menos esta maldita insónia me deixasse a sós com a minha solidão 
Talvez o tempo durasse menos
e fossem outras as horas do coração...


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18/10/2015; 04H20